Aprovado em maio de 2025, o Plano Nacional de Economia Circular (PNEC) marca um ponto de virada na forma como o Brasil pensa sua produção, seu consumo e suas estratégias de desenvolvimento. A proposta, um marco regulatório inédito voltado à transição para uma economia de baixo carbono e regenerativa, rompe com o modelo linear tradicional, baseado em extração, uso e descarte de recursos, e avança rumo a um sistema baseado no reaproveitamento de materiais, na minimização de desperdícios e na eficiência produtiva.
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O PNEC foi construído de forma participativa, reunindo mais de 1.600 contribuições de representantes da sociedade civil, do setor empresarial, da academia e de governos locais. Essa abordagem colaborativa, segundo os especialistas ouvidos por LexLegal, conferiu maior legitimidade ao documento e aumentou suas chances de implementação efetiva. Com 71 ações distribuídas em cinco eixos estratégicos, o plano estabelece desde diretrizes regulatórias até instrumentos financeiros para incentivar empresas a adotarem modelos mais sustentáveis.
Com metas ambiciosas e prazos bem definidos, o PNEC está diretamente conectado às agendas internacionais de clima e sustentabilidade. Isso ganha ainda mais relevância com a aproximação da COP30, que será realizada em novembro de 2025, em Belém (PA). Nesse contexto, o plano representa também um posicionamento político do Brasil, que se apresenta como líder nos debates sobre transição ecológica e economia de baixo carbono.
Para o professor Flávio Ribeiro, doutor em Ciências Ambientais pela USP, professor de Economia Circular e embaixador do Movimento Circular, o lançamento do plano marca um avanço inédito. “Ver o governo federal publicando esse decreto e o plano com uma visão moderna da economia circular, seus princípios e objetivos, é motivo de júbilo para todos que atuam na área”, afirma.
Ele também ressalta o caráter transversal da proposta. “O plano reflete o engajamento crescente de diferentes ministérios, como o Meio Ambiente, Fazenda, Relações Exteriores e o próprio MDIC, todos com iniciativas que incorporam a economia circular em suas agendas. Isso mostra uma abertura importante da política pública e facilita o trabalho de quem atua no setor”, completa.
Entre as metas principais estão a elevação da taxa de reciclagem dos resíduos sólidos urbanos para 50% até 2030, a redução de 30% na geração de resíduos industriais perigosos, o reuso de 40% da água na indústria e a adoção de práticas circulares em todas as grandes empresas brasileiras até 2035. Caso esses objetivos sejam alcançados, o impacto sobre a economia, a inovação e a geração de empregos verdes pode ser transformador.
“O PNEC surge como resposta urgente aos desafios socioambientais contemporâneos e coloca o Brasil na vanguarda das transformações econômicas sustentáveis, alinhando-se a compromissos internacionais como a Agenda 2030 da ONU e o Acordo de Paris”, avalia a advogada ambiental Sarah Martins, do Fonseca Brasil Advogados. Segundo ela, o plano vai além de uma simples declaração de intenções: é um documento operacional, com diretrizes claras, metas definidas e mecanismos de incentivo para o setor produtivo.
Do ponto de vista jurídico, o plano estabelece bases normativas que incentivam o ecodesign, a remanufatura, a logística reversa e o uso eficiente de materiais. Essas práticas favorecem a criação de novos modelos de negócio, especialmente entre startups e pequenas empresas, que passam a ter acesso a linhas de crédito, incentivos fiscais e prioridade em compras públicas sustentáveis. Dessa forma, a economia circular se consolida não apenas como pauta ambiental, mas como estratégia de competitividade.
“A aprovação do PLANEC representa um passo fundamental para o Brasil. Ele não apenas oficializa um roteiro abrangente e colaborativo para a transição do seu modelo econômico para a circularidade, mas também reforça o compromisso do país com a sustentabilidade, a inovação e, de forma inédita em sua profundidade, a inclusão social”, afirma Deisy Granado, especialista em direito ambiental e ESG do Luchesi Advogados.
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O plano também é relevante no contexto da descarbonização da economia. Ao estimular a redução das emissões de gases de efeito estufa, o PNEC fortalece a posição do Brasil nas negociações internacionais sobre clima e sustentabilidade. O momento político e diplomático também é oportuno, já que a realização da COP30 em solo brasileiro permite que o país mostre liderança prática em meio a cobranças globais por ações mais ambiciosas.
Contudo, os desafios para a implementação efetiva do plano são grandes. A infraestrutura de coleta seletiva e triagem de resíduos ainda é deficiente em boa parte do território nacional. O sistema tributário segue penalizando produtos reciclados, e a cultura de consumo no país ainda é marcada pelo descarte rápido. Além disso, a adoção de uma economia circular exige coordenação entre governos federais, estaduais e municipais, bem como do setor privado.
“A mudança de mentalidade, tanto no setor empresarial quanto entre consumidores, será essencial para o sucesso do plano”, avalia Sarah Martins. Ela destaca que o engajamento coletivo é fundamental para garantir a eficácia das medidas propostas e evitar que o plano fique restrito ao papel.
Os cinco eixos estratégicos do plano
O PNEC estabelece ações estruturantes e interligadas em cinco eixos estratégicos:
- Base normativa e institucional
Busca consolidar fundamentos legais, promover integração com políticas públicas existentes e reforçar marcos regulatórios alinhados à economia circular. - Fomento à inovação, cultura e educação
Prevê a capacitação de empresas e gestores públicos, o estímulo à pesquisa aplicada, a inclusão de conteúdos sobre economia circular em currículos educacionais e campanhas de mudança cultural. - Eficiência no uso de recursos e gestão de resíduos
Foca em ecodesign, ampliação de infraestrutura para logística reversa e reciclagem, e melhor articulação entre a Política Nacional de Resíduos Sólidos e as estratégias circulares. - Instrumentos financeiros e compras públicas sustentáveis
Inclui mecanismos como incentivos fiscais, linhas de crédito específicas, fundos de financiamento verde e orientações para compras governamentais com critérios sustentáveis. - Inclusão social, articulação interfederativa e trabalho decente
Tem como meta central a valorização dos catadores, a formalização do trabalho na cadeia da reciclagem, o fortalecimento da economia circular local e a integração de ações entre União, estados e municípios.
Um dos diferenciais do plano é sua ênfase em garantir que a transição para uma economia circular não exclua trabalhadores, especialmente os que já atuam informalmente em atividades ligadas à reciclagem e reaproveitamento de materiais. Nesse ponto, o plano se aproxima dos princípios da transição justa, defendidos por entidades sindicais e organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O eixo voltado à inclusão social prevê apoio técnico e financeiro a cooperativas de catadores, programas de capacitação, acesso a linhas de crédito e articulação com políticas de emprego e assistência social. “É fundamental reconhecer e valorizar os trabalhadores que já atuam na prática da circularidade, mesmo sem apoio institucional”, pontua Ribeiro.
A expectativa é que, com a criação de instrumentos de fomento e regulação, seja possível superar esses entraves estruturais e transformar a economia circular em uma realidade concreta. Nesse processo, o Brasil pode se tornar um caso de referência para outros países em desenvolvimento, mostrando que é possível crescer de forma sustentável e inclusiva.
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Ao consolidar essa mudança de paradigma, o Brasil se alinha a tendências globais de sustentabilidade e abre caminho para uma nova geração de políticas econômicas com base na circularidade. E é também um convite à sociedade brasileira para repensar suas formas de produzir, consumir e conviver com o meio ambiente.
Reprodução: Lexlegal
